aquele velho sentido

Não havia como ter garantias, pensou ele, ao atravessar quase intransponíveis poças naquela movimentada rua, em um fim de tarde chuvoso de sexta. Estava repensando a inexorável e inevitável mudança pela qual passara nos últimos meses, respaldada de incertezas e experimentações. Agora se perdia na dúvida da maturidade, se perguntando se então era verdade quando os escritores franceses proclamavam que as cores iam perdendo seu gradiente com o progresso da idade. Se sentia pesado e que havia cometido erros, mas ainda assim não tinha arrependimentos. Entrou em uma cafeteria também para fugir da chuva, porém mais para pegar um café expresso forte e um maço de cigarros, abandonando o abandono à nicotina. Queria ficar sozinho mas precisava de alguém ao seu lado, e quem estava ao seu lado já não lhe trazia aquele velho sentido que tanto procuramos para continuar com um sorriso estampado no rosto. Ele não estava procurando uma determinante pessimista, porém era só em que seus pensamentos resultavam. Precisava de um tempo, de um novo cenário, de frio, de outros caminhos. Estava tudo meio limitado mesmo com os múltiplos caminhos que sua vida pessoal - razão principal de sua angústia atual - poderia tomar dali pra frente. A segurança se fora, e agora procurava, no fundo de um copo de café, alguma resposta, enquanto dois senhores ao seu lado discutiam política com fervorosas e contrastantes opiniões - fervor, contraste, extremismo; uma forte correnteza que o guiasse era o que ele precisava... e enquanto aquela chuva amainava e o incerto tempo ia se abrindo, percebeu que o que precisava era realmente se deixar levar, sem cair em demasiada preocupação sobre coisas na qual ele não possuía exato controle. Já a garantia... bom, do que adianta ter uma garantia quando ela invariavelmente acompanha estagnação? Enquanto se perdia em suas usuais e atualmente intensas demais (intensas ao ponto do isolamento) reflexões, as pessoas iam passando, cada uma delas progredindo em sua história. O forte café já tinha acabado e o segundo cigarro também, agora caído no chão e se apagando aos poucos com cada pingo de chuva que ia mitigando sua brasa.

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