anti-hedonistas (de merda)

A velha senhora entregou outro olhar, cansado, abatido, e deixou que seus dedos tocassem as margens da água daquela enegrecida e poluída lagoa. O menino continuou parado, esperando qualquer palavra dela, que lhe olhava tão atentamente pelos últimos minutos. Ela se encontrava na iminência de lhe falar algo, com o peso de uma voz que já atravessara anos e anos, e a densidade daquele intervalo preenchia o ar que resistia, gélido, primaveril, nostálgico.
Finalmente, então, ela lhe dirigiu as palavras.
“Você, menino, do alto de sua juventude, pode me explicar porque tudo está tão insuportável..?” Ela diz, e ele olha, sem entender a pergunta, com curiosidade. “Porque tudo está tão chato, tão sem sentido, tão plano... você deveria saber, está crescendo no meio de tudo isso” ela continua, olhando para um ponto fixo na lagoa porém sem estar realmente observando nada.
“Como..? Me desculpe, não entendi” é a resposta que ele entrega a ela, algo que a senhora recebe sem surpresa, como se já esperasse aquela falha de comunicação, uma que não era exatamente referente ao abismo de idade entre ambos, e sim uma ruptura cultural.
“Sim... quero dizer, vocês estão no meio de tanta possibilidade, com seus computadores, com tanto movimento, e parecem cada vez mais parados... é tanta coisa nova querendo proibir a geração que está por vir, a sua, digo, são tantos artifícios querendo impedir vocês de se divertirem ou dizerem o que pensam e vocês simplesmente recebem isso de braços abertos, ao mesmo tempo em que tem tanto poder e tantas ferramentas...” diz ela, confusa, rapidamente, inicialmente parando apenas para respirar - mas, ao notar a confusão nos olhos do menino ao seu lado, volta atrás. “Não entende ainda, menino?” ela pergunta, outra vez, numa voz ríspida, irritada, porém pouco surpreendida.

A lagoa continuava linda, ela pensava. Os que passavam correndo, em suas roupas de esporte, ou com seus cachorros, ou os jovens com aquelas câmeras sofisticadas que para pouco serviam... onde estavam os risos reais, os grupos, as latas de cerveja, os maços de cigarro?
E o menino, que já caminhava de volta para qualquer outro lugar, cujo andar pausado revelava uma confusão advinda das palavras que absorvera daquela velha senhora, ó, que pena desse que vai ter que enfrentar uma época tão... chata, monótona.

sub city

In the limited width of the sidewalk, she was nearly falling down, dragging herself from one gutter to the other. As she tried to gain pace throughout the embedded with pessimism and with begging-to-be-pitied fuckers, she took a glance at the resisting shapes that marked the limits between one tile to the other, on the sidewalk.
She was wearing a short black dress, now completely wet with the rage of the rain that was hitting her during the last hour, for the least. Now, as the constant presence of the water made her quite unaware of the resisting actions of the clouds above her, something started fevering her. It was something quite child-ish and which made her once bright brown eyes stay closed longer than they used to. The recounting of her childhood, however, wasn’t the main cause of it - it was that rush, that instant shot which felt as a generous shot of cocaine or amphetamines pumping through her thin veins. But it wasn’t anything of such nature - she was in having a overdose of something which was far from being synthetic, even if nurtured by the city and its hymn to the continuous movement.
It wasn’t something light, but she was handling that feeling very well, and it was making her attain some energy to reach the nearest bar, for some coffee and cigarettes. As she enjoyed that pleasantness which fueled her head with some old wonder, she suddenly realized that, even though the let down of all the numbness around her wouldn’t ever go away - not in times like these, for sure - and the stupid assholes wouldn’t ever give her and her kind of ideals nothing worth more than a minute alone with her own self, she felt happy by this force building up rapidly and vastly inside of her.
No, to speak of its speed is to limit it - and she wouldn’t do so, as she knew what that kind of force meant. It wouldn’t leave her - it does not leave one when one allows to enjoy the tools and paths which it provides - but it certainly could not be worthy of the everyday misunderstandings and understatements of the growing darkness around it. It was not being suffocated - was just fluctuating and working as a dense and fundamental reminder of what really could do, if only exploited and accepted.
But, for such to happen, one must learn freedom and self-respect - and they forget to teach that to us at school, she thought, as the drank with strange and sudden tension her coffee, feeling its heat and its bitterness invading her throat, and ordering another one just so she could get used to it, as she was with her clothes gripping in her unprotected skin by the action of the rain.

Citação: Bud Powell - Sub City

a estupidez do altruísmo

“My happiness is not the means to any end. It is the end. It is its own goal. It is its own purpose" - Ayn Rand

Viva para os outros e pelos outros, se preferir - afinal, a prerrogativa é sua, a capacidade para tal atrocidade é sua e você só comete para si mesmo. mas não tente interferir no direito intrínseco à minha escolha, e se mantenha longe de qualquer interferência quanto à natureza dos meus atos, se eles não te atingem.
Em primeiro momento, você estará vivendo com o brilho superficial que o prestígio de outros homem lhe confere, mas se encontrará, mais tarde, pagando pelo fardo da escolha de abandonar o conjunto de valores que o indivíduo mantém em seu ínterim, abandonando um direito fundamental conferido ao nascimento, e inseparável do “eu” e da construção do mesmo. Falo de um direito, àquele que nos permite construir, modificar, desenvolver - para o benefício dos próprios, para vermos, edificados de alguma forma, o fruto de nosso trabalho. O direito que permite a felicidade mais real, mais pura, mais limpa de qualquer ruído externo - simplesmente porque pertence a apenas um ser, e isso é impossível de se ferir ou romper de qualquer maneira.
Escolha esse caminho, caso queira. Não me importa, não me interessa, não me atinge. Me frustra perceber coisas com as quais não concordo serem defendidas por uma maioria, me assusta perceber tangível nas massas todos aqueles ideais que desprezo e que mantêm um sistema improdutivo e desrespeitoso, destruidor no que se refere à capacidade de cada ser. É frustrante. Faço meus pensamentos e meus ideais - àqueles os quais nenhuma multidão, não importando seu tamanho, pode sequer questionar - se transcreverem em opções. E, caminhando com esse conhecimento de causa e efeito, de poder individual, caminhando livre, o ar fica menos denso, os cenários se cristalizam e se sucedem de maneira mais sucinta e racional, mesmo que infestados de uma irracionalidade que premia o terror, que valoriza o podre e improdutivo, que repudia a busca pela felicidade em detrimento do conforto da piedade...

time takes a cigarette

Aquela velha sombra que coexiste e coopera cada ato, sendo provedora de causas e efeitos simplesmente por ser inerente ao próprio mecanismo de pensamento e registro, memória.
A base para a criação (ou reciclagem) de ideias, de vontades, de objetivos. Aquela que, nunca inativa, se faz irreparável no ápice entretanto se revela ativa logo após, ao se perceber que ela foi uma das forças motivadoras para qualquer senso e sentimento.
A nostalgia, a lembrança. O que retorna com uma rápida e profunda inspiração, o que é automaticamente ativado com um sabor, o que revela todo um panorama relativamente mentiroso sobre acontecimentos passados de um, o que depende apenas de um inconstante foco de luz para reaparecer com potenciais variáveis, ainda que geralmente estejam em um vértice ascendente que culmina em crises de pensamento que nada mais revelam uma pausa em nossa contínua luta diária para encontrar felicidade.
Deveria eu julgar como parte dessa luta, como parte integrante e fiel, esse sentimento hoje tão incansavelmente repetido por novas mentes que preenchem o vazio que é seus ideais com pré-concepções toscas, que me deixam temeroso quando revelam, por meias-palavras, um aparato de ignorância que mostra um total desentendimento do que significa o terreno que deixamos para trás porém que fertilizou o presente - mas estaria eu saindo do meu real propósito?
Mas qual era o propósito?
Achando no tempo, no circundante e indomável tempo, nas suas linhas de criação. O edifício de nosso indivíduo - esse edifício tão desconsiderado atualmente, cujas linhas podem ser tão rígidas, límpidas e incríveis quanto as de um arranha-céu modernista - tem fundações que são constantemente editadas, melhoradas e reparadas pelo senso do passado que só a nostalgia e sua aceitação, e seu entendimento, eventualmente adensa.
Enquanto se refina esse ode ao que ocorreu, refletindo as possibilidades da [nostalgia] que irá surgir amanhã, se preenche aquela linha, lembram?

Citação: David Bowie - Time

ecstasy

Take one deep breath. Feel the salt clinging through your throat and let the course of the wind blow new thoughts into your mind - and, more fundamentally, open your mind to the uncountable lines of poetry which fluctuate our everyday life even though we know little about them, and we fail to perceive it amidst our own selves.
As the waves reach your bare toes and your hair loosens up with the rush of the breeze, the strings also loosen up and you can feel your thoughts twisting in a inebriating tide of the pure oxygen you’ve been providing them, making them grow and conflict in order to form a powerful state of mind which leaves you wondering about the true meaning of this craziness which surrounds you, and you’re not sober anymore, and though drunk with freedom there’s no toxicity and you’re fine - and, oh, then comes that wonderful realization that the craziness and the crazy minds, everything else, what surrounds you, what you agree or disagree with, what you rely or spit on, what you enjoy or despise... oh, all of it: it’s your elements, it’s part of you.
The barriers - those you’ve completely forgotten, still high and stoned swimming through your most intimate, intricate and personal feelings, those who for all intents and purposes are your essence. And, suddenly, as the grains of sand continue to meet your legs carried by the ever-growing and changing airstream, you grasp that curious fact that, although intimate, it is such a universal essence, something so pure and disproved of any of the stupid fences we keep on putting in ourselves and on the others due to the fear of losing something we can’t even describe - but we are actually losing it all, losing what actually matters the most, losing the meaning of everything...
You’re dizzy and it all spins around you and you’re astonished with your own realizations... and it gets heavy, only because it goes much, much deeper.
Now, your feet aren’t in the sand anymore, and the waves are off view, with the dunes covering it. The sun is setting down, and there’s that incredible sensation of fulfillment, that exhilarating bliss, and you feel the need of keep that going - but what you’re learning, that will endure - as well as that incredible receptivity to the endless possibilities of knowledge spreading all around you.
And, luckily, the wind will always be there.

Title: New Order - Ecstasy

improved means to an unimproved end

E, enquanto as ondas do mar aberto chocavam-se entre si e interpunham-se em uma torrente azul que resultava em espuma, e os pés afundavam na areia, uma tontura subitamente preencheu os vácuos entre diversos pensamentos que me rondavam de forma suspeita, me rondavam quase me atacando, à espreita de qualquer brecha que eu resolvesse, em consciência ou não, abrir para os gritos incessantes porém surdos da nostalgia, da concepção do passado sempre deturpado por estados de espírito.
Ao primeiro passo na praia me sentia despreocupado, leve, em concordância com o que me rodeava, aceitando, integrando-me de maneira substancial ao forte vento que faziam as dunas, ao fundo, formarem uma fraca neblina.
Mas não poderia, nem queria, me afastar da reflexão que os significados que aquele azul interminável sempre trazem. Na verdade, um dos principais motivos, quem sabe o ínterim daquela sensação de embriaguez que a maresia sempre me deixa, é a reflexão. Meus conceitos são deturpados até eles serem revistos sob uma ótica desnuda de um fluxo interminável sem nenhuma interrupção ou ruído, despolido.
Essa ótica, apesar de desprovida da imparcialidade usual da mente e suas próprias conjugações, não funciona como acusador no qual o réu são minhas falhas, e sim como um elemento essencial para o funcionamento de uma livre construção, um organismo em contínua e desejável mutação - ainda que sempre servindo para o mesmo propósito.
É uma confirmação de algo que é inexprimível em palavras, a confirmação do propósito e da base, da vontade e da motivação - e de todos os denominadores que circundam esses materiais da riqueza humana.
Meus olhos se centram, sem saber bem onde focar, em todo o incrível conjunto que está ao meu redor. O mar e seus tons de azul manipulados pela luz solar que trazem um contraste imediato com o azul do céu, modulado pela nebulosidade que aproxima-se do sul. Os bancos de areia e as dunas e sua magnificência, se impondo ante construções que se elevam parecendo prontas para serem adensadas pelos grãos de areia - os mesmos que agora, em meio à crescente força do vento, se chocam contra minha perna. Ando na direção do vento, e, ainda que saiba o que encontraria, não pretendo chegar até o fim da praia, e nem me foco muito lá. Ao parar, a tontura aumenta ligeiramente de intensidade, diretamente proporcionais aos axiomas que lutam com ferocidade no cotidiano sob pressão da teimosia, e agora acham um campo livre para exposição e saem do estado de repressão, e é aí que me vem essa sensação, eu penso, e olho mais um pouco ao redor, e não me pergunto mais nada. O vento sopra cada vez mais forte, e, tão livre eu me sentia, que poderia, conscientemente, entregado à qualquer outro lugar o qual ele resolvesse resumir sua força.
(...)

Citação: título do texto de uma passagem de Henry David Thoreau em Walden.

one hundred lights

The night was humid and cold, however the intensity of the winter was now gone, and the wind hit with less roughness when on the bare skin. And that, as an announcement, was a prefix for the rapid springtime, which would dilute itself on the fluidness of the crazed summer. While trembling through the city streets he was unsure if he was longing for it or his mind was bound to freeze in the winter. With the cigarette still hanging unlit on his hands, he was fast-walking in the direction of nowhere – nowhere not due to the lack of direction, but due to this growing uneasiness which was resulting in a heavily disturbed personal state. He could taste the red wine on his mouth already, however it wasn’t permitted for him to drink a sip of it for the next days – and his mind was set to skip that on the following afternoon.
As he watched the street bums trying to arrange a dry shelter for their pipes to rest on, he finally lit the cigarette, and he sat in an uncovered bunch, moist, and paid some attention to the smoke lifting up to the sky. He thought about how much brilliance risen from such moments – moments of vagueness, moments where ideas came from, watching the cigarette smoke as it filled the area in front of it, and how much those moments contributed to society enrichment. The artists, the scientists, the industrials. But the structure needed in order to brighten his brain and lead to that state of mind still longed some maturity, and that reflected on the nature of the wasteland which hanged his wits.
The rain came again, and he ran, unworriedly, uncaring, not fast enough to stay reasonably dry, and there he ran to the closest covered bus stop. There wasn’t many people walking around in that particular night along those downtown streets – a weekday, and already past commerce working time – and the bus stop was empty. He thought about how much loneliness did those urban streets resonated at night - even though constantly bloated by many and many people whose life lines complemented each other without any particular interference, in this incredible state of harmony which couldn’t exist anywhere else except inside the intricate (and, some may call, the obscure) organism of the city. And, whether it didn’t resemble much heat from distance, the diversity applied into its mechanics make up for a hell of a passionate and lively pulse. And, as he wandered through those thoughts which weren’t exactly arguments, but rather the trail to a mind who was boiling with excitement and urgency, as he curiously wandered throughout his own in-formation ideological pathway he thought to himself that there could be nowhere else to live but inside of one of the big devices which constituted all of that built around him.
Though having some unfinished business, his psyche wasn’t particularly focused on them, and he felt light and nice. Confused he was sure he was – but at least he was sure of something. He smiled to himself and lit another cigarette, as the other fell down while he ran, and he did his usual observation. He could hear the usual sounds on the urban nightlife; the screaming, the police cars sirens going north, the cars always running by, the possible echoing of some random slaughtering somewhere... That urban fluidness gave him a proper ground, gave him a sense of movement and gave the time some needed worth. And those weren’t mere sensations – they were personal traces which belonged to them, in the sense that that was his true home. While some consider that to be a source for stress and wrath, he felt rather
embraced by all that amazing human labor, the skeleton and the foundations of its work. Whereas he didn’t perceived this every time, he was always feeling it, and, as he got out of the bus and lit his first cigarette in the primer minutes past sunrise, as the noise and the straightened faces hit them first thing in the morning, as he did those repetitive daily matters, he brought to his mind some inspiration. The general idea of the mechanical nature of those deeds are completely false – how could it be mechanical while entangled in such a vibrant and diverse background that the city life represents? The invented idea of the ideal daily life was a complete dystopian and false scenario – and he knew that with the conviction that he generally had in his ideological root.
The lights of a metropolitan bus coming his way blurred his eyes and prevented him from extending that thought – but he let it ran without stopping it, he wasn’t craving to go back home. He knew that, while back there, he would again fight with his mind, so he decided to take another walk, as the rain showed herself thinner. As the night fell through, the movement felt shortened, allowing the lights of the streets to risen its importance. Amidst the ecstasy of his thrill, however, he could smell something wasn’t right about all of that. He couldn’t exactly figure out what it was – maybe he lacked the books, the age, whatever reason – but he felt firm about the comprehension. The machinery was working, but it might was struggling to work with in its full power. Maybe it was one of those lampposts without any light in it.

all day I’ve been waiting for the whistle to blow

She held tighter her can as the wind grew stronger and colder, rushing to resuming summer with its heat and its lack of preoccupation and intense zest. An hour had already gone by and about dozen of those same six hundred milliliters cans turned into a light pile of metallic garbage, joining four bottles each with that sip of content glass bottles always leave to themselves. The alcohol hurried through their blood tissues, but not as intense as they’d like, so the plans for something stronger became more recurrent as the night grew darker and the prospects more and more nostalgic and, at the same time, anxious, anxious to make more moments to laugh and share about for many nights like that to come. They weren’t trapped in the cage of the past yet – no, they were still too young for that – but their minds were permanently bound to that arrangement, members of a human race with all its rationality constantly wasted by these personal veins, which spurred into uncalculated fear – and part of that fear partly came from the one we have about not being able to repeat our happiness of outer times, not being able to repeat its place in our confused and impartial mind, which its lack of cohesion and truth we ignore in order to keep running a individual timeline. No, they weren’t trapped in that obnoxious work of mind yet, as it sets its linearity only in the elder – with few exceptions; none of them being a true exception – and, at this young age, appears conflicting with its surge for living the present and foreseeing the future, while being misguided and pleaded and accused by a past blended with that untrue complete fulfillment.
Though lightly, that special sensation the transitory state from sober to its opposite offers was filling her eyes with excitement and her laughter was surely rising stronger, and this condition was spread all over that five-member club. The conversation was rising its tone as one memory lead to another, and as the end of one recipient led to the opening of another.
Maybe the alcohol effects and its worldwide search have something to do with the freedom that it involves – she thought, as she closed her eyes and bended her head a bit backwards. Excluding the socio-economic and biologic aspects which came in line resulting in a widespread consumption, of course, the alcohol is probably linked with this, she thought, though not taking herself seriously – and she didn’t want to, is not that she couldn’t, is that she felt happy for being able to not taking herself seriously, digging that mechanism that was involving her whole body, and accompanying perfectly the scent of the night and the buzzed bright streets.
“Hello there...?” her friend now. He wanted to know if she wanted a cigarette or something, they were heading to the market. She grabbed the last one of her package, lit it, and went with them to conclude the basic planning for the rest of the night – which meant buy more booze and some smoke – and, a week later, they would gather once more, united by that same basic planning, and would talk about it in the endless hope of attaining the same amount of pleasure, while remembering a past which wasn’t far enough to come in their way, only enough to enjoy the night in its basic premises, and drink a shot in a tribute.

Citação: Stray Cats - Let it Rock

dum dum boys

Como quando sentávamos em círculos, em grupos, felizes, embriagados, dividindo opiniões similares e precipitadas sobre determinado tema, e éramos tão imediatistas e teimosos sobre nossas palavras. Dividíamos naquele momento um profundo prazer, não exatamente aquele prazer refinado e poético que tanto se almeja e valoriza, mas sim aquele que promove as prosas intermináveis e a vontade sem pensar, sem pudor. Se mentíssemos o motivo seria puramente superficial e não havia malícia.
Éramos novos, e corríamos do sol e procurávamos por algo para beber e ansiávamos em ver o mar, em chegar na praia, e íamos perdidos em uma transe e uma fluidez, e tínhamos total certeza que acharíamos o caminho - exatamente porque não pensávamos muito nele.
Exaustivamente e repetitivamente, perguntaríamos todo o sentido, e discutiríamos ele com aquela certeza juvenil - porém nunca realmente procuraríamos ele, porque ele não era necessário, porque só estar era o fundamental.
Sem perceber, sem querer, construíamos o intrínseco de nosso ser, da nossa vivência, e traçávamos a linha principal que iria correr os boulevards e avenues da posterioridade. E iríamos alargá-la com cada momento de euforia e animação que iria proporcionar a mudança para highways e autobanhs. E o cansaço seria rapidamente substituído por mais, e estaríamos satisfeitos sentido no físico toda aquela exaustão - exatamente porque significava proveito. Estávamos preparando nosso terreno.

E continuaríamos a preparar, mas com o irritante atenuante de tentar imitar o passado, cujas imperfeições passaram despercebidas em meio à fluência que nossa imaturidade proporcionava.

Citação: Iggy Pop - Dum Dum Boys

non-sensical movement, vertical, horizontal, circular, between walls and through walls

Ele continuou andando, a passos rápidos, quase que fugindo. Estava em êxtase, aquele perdido, aquele dissolvido em paranóias crescentes e queria correr e fugir do frio que andava sentindo com tanta força - ainda que agora estivesse sentindo um estranho calor, sentia seu rosto quente, sentia-se em urgência e não sabia o que fazer em relação a isso.
Ao olhar ao redor, as preocupações nos traços dos rostos dos que esperavam o ônibus em silêncio, incomunicáveis, com uma tensão da pressa e aparentemente sufocados - e, como usar incomunicável com tantas feições a mostra?
Uma cortina de poeira se elevava ao fundo da estrada, e, naquele fundo, algo clamava e inspirava mudança. E ele sentia ela em cada movimento, sentia em sua conturbação solitária, sentia no gosto de café amargo da sua boca, sentia em todo e qualquer movimento que construía e reconstruía a máquina viva de seu cotidiano.
E resolveu andar, a passos mais rápidos, até o próximo ponto, e se via imerso naqueles pensamentos gastos e pensava nos últimos minutos, onde cedera parte de sua solidão para outro ser, onde questionava a densidade do extremismo que levava a cabo por sua ideologia e suas ações.
Estava pondo em dúvida sua própria fuga, se não era uma limitação errônea limitar-se a si próprio, e se não era esse o motivo daquela fuga mental, se era mesmo a frustração com lá fora - e como poderia, sendo esse ‘lá fora’ tão incrível e fascinante? - se, no fim, não era frustração com sua própria incapacidade de administrar aqueles que o rodeavam junto com os traços mais intrincados e absolutos de sua personalidade...

Citação: título adapto de trecho do livro de Henry Miller, Tropic of Capricorn.

the breath in my lungs feels clinging and thick

Aquela última inspiração antes de cair, aquela última que indica algo tão lívido e tão denso que precede uma total perda de sentidos depois do mais intenso. A raiva que bombeou com exígua rapidez sangue por nossos corpos e me fez lembrar, com total aproveitamento, a capacidade de êxtase que os segundos poderiam adquirir.
Agindo na base de um impulso animal quase reprovável de tão puro e desprovido de qualquer outra pretensão, mas desenvolvendo-se em um espectro de raiva entre duas pessoas quase totalmente desconhecidas uma da outra, mas que, nas linhas divisórias de cada ato, se tornavam intrinsecamente ligadas - e era daí que uma antagônica raiva surgia, no meio de uma profunda inspiração quebrada.
Imersos em nossas próprias vontades e com cada um tomando seu respectivo papel, a importância daquilo era apenas algo alimentício, sem nenhum vínculo sentimental - porém, a raiva era indicativo de algo que perduraria além de apenas uma inspiração.
Não que vá, realmente, seguir isso, com certeza não por muito tempo. Em contraste com um total desprendimento, senti uma fúria acolhedora, logo após daquela primeira inspiração, enquanto, deitado, procurava um apoio e observava o ambiente ficar denso com a fumaça de seu cigarro.

Citação: The Rolling Stones - Dancing with Mr. D

em uma contradição, cheque as premissas

(texto sem nenhuma estrutura ou linearidade e sem nenhum propósito de o ser, nem fingir que o é)

Agora ele entendia. Enquanto se perdia pelas diferentes camadas de cor por entre nuvens de um fim de tarde que oscilou entre chuva até um sol avermelhado, ele refinava sua linha pessoal de pensamento.
E, finalmente, concluía - ainda que sem chegar exatamente a uma conclusão, porque ela nem existia, apenas a um pensamento concreto que refletia seus valores morais - que não o importava os julgamentos alheios, os olhares de repreensão, os gestos faciais que denotavam desentendimento - não, eles não iriam entender, nem deveriam, nem lhes em nada é importante entender. O que importava, ele pensava, eram os lábios daquela garota. Ainda que metaforicamente, claro - já que isso representava a confiança, a vontade, os momentos. Não era paixão, era uma autoconfiança exagerada que lhe servia para acentuar seu desprezo em relação as disparidades e hipocrisias dos arredores diários.
Seu raciocínio, caindo no cerne do que sentia, agora circundavam outros, e mais extensos, campos. Pensava na revolta que sentia com essas cordas finas, porém de certa forma resistentes por insistência (e não a força em si), que se impunham automaticamente como resultado de viver em um âmbito social, e que lhe impele para o isolamento, e que lhe deixa enojado, enquanto vê e sente o desperdício de mentes produtivas ocasionado pelo mais completo ócio - resultando nessa incrível roda-gigante viciosa que prova qualquer teoria do ser desprovido de luz - e não porque ele intrinsecamente o é, e sim porque ele ignora que, na verdade, não é.
Percebera que até havia esquecido de acender o cigarro, que estava passeando por seus inquietos dedos nos últimos minutos. E, outra coisa, percebera o quão aquilo ia longe - e sentia um misto de temor e esperança, e não entendia, em meio ao desespero da falta de pensantes... surgia-lhe a noção real de que todos tem tal capacidade, pois o são por natureza. Então porque a rejeitam? (...)

Citação: título adaptado de trecho do romance de Ayn Rand, A Revolta de Atlas

moment’s notice

A lânguida sombra que fazia frente a diminuta fresta de luz que penetrava pela janela era, de seu modo, animadora. Ele poderia encarar aquela sombra, poderia deixar sua atenção repousar por horas naquela forma escura, até ela se revelar em luz, até se revelar em uma linda forma de um corpo.
O vento soprava cada vez mais longe o resquício de frio, e as expectativas se amontoavam, culminando no sentimento que construía por aquele ser, que a sua frente se levantava para tomar algo, que caminhava pelos corredores daquele modo característico, desajeitado. Em seus olhos transcrevia-se, cada vez mais, uma anciente tristeza, uma deficiência de afeto que, só pelo segunda atenção se percebia, e uma deficiência que prostrava uma de difícil transposição barreira, uma barricada sentimental. Os olhos, porém, reluziam quando excitados, e com força. O corpo, dado aos trejeitos mais detalhistas entretanto de certa forma jogado e desprendido, estava perdendo sua variedade de movimentos com uma tendência ao isolamento pessoal.
E, aquela fase melancólica em que a sombra escurecia mais um pouco, aquela sombra revelaria-se ainda mais impressionante ao encarar a pura luz, e ele queria ser o agente determinante de tal transição.
Citação: John Coltrane - Moment’s Notice

os tempos de solidão

Ignore toda a verdade que circunda seus conflituosos pensamentos, e ignore suas atitudes estúpidas que se repetem e se tornam algo tão intrínseco de sua personalidade que fica difícil distinguir seu próprio humor.
Mas, simplificar como o puro e simples ato de ignorar talvez seja inapropriado, até porque é algo muito mais complexo e fundamental que um ato, ou um padrão de atos, de cenas, da sucessão delas.
O momento de se arrepender por essas ações vai se arrastando e torna-se um simples resultado reacionário, algo que é feito de modo mecânico dentro de uma rotina que aos poucos se torna difícil de escapar. E, o escape que aparece, frigidamente, é um radical e simplista caminho que ainda que de início parecendo uma via por entre um campo aberto, aos poucos se mostra limitado a apenas a via em si, dentro de um repertório contínuo e repetitivo. A alternativa que digo é a solidão - tão insuportável e envolta por gigantesca capa emitindo medo para alguns, porém tão agradável para outros. Não sei se faço parte dos outros inteiramente, porém certamente grande parte de mim faz parte desse limitado percentual. O conforto, nesse caminho de confronto, vai se esvaindo, e recai nos seguidores as limitrofes humanas de subsistência - de necessidade de companhia.
Não me aventuro com total entrega a esse caminho, me mantenho cauteloso com certo medo da incipiente infinidade que o caminho propõe, sem ramificações, sem retornos, ao aprofundado. Íntimos pessoais me conferem certa aptidão para tal, mas os peões que interferem como obstáculos para seguir esse obscuro logradouro se apresenta em forma de indivíduos incríveis e toda a prosa interminável e que representa o extremo do fascínio.
E não ignore, porque é a recusa do êxtase, e é o que há de mais nutritivo para uma vida - o êxtase, o momento, a prosa, fluindo...

Citação: parcialmente do romance de Gabriel García Marquez, Cem Anos de Solidão.

they were beliefs I felt were myths

E, em retrospectiva, não parece infundado. Se assemelha mais a uma linha de ação inevitável que transcorre de uma corrente de pensamentos dominantes que nunca, nunca me abandonaram, e que sempre marcarão toda as minhas atitudes dentro de um panorama que apenas me pertence. A questão de ser ou não benéfico perde importância ao chocar-se com o caráter pessoal e intransferível, e não há nada que qualquer ser vagante possa fazer para mudar - e nada em que eu possa contribuir, e pode parecer difícil para externo entendimento, mas... é como as coisas são.
Mas, aos meus surpresos e inexperientes olhos, vejo com surpresa toda a mudança que estão não exatamente moldando - pela velocidade de mudança - mas que vão traçando diferentes e incongruentes vontades que no fim se tornam harmônicas, participando em ode de algo maior - minha personalidade, a construção da identidade. Posso olhar como silencioso esses últimos tempos, mas o barulho se manteve estável apenas no sentido de seu estrondoso movimento dentro de mim, e o acolhi porém abrandei, mas sei que, no próximo período de combustão, provavelmente virá maior, mais denso - e o processo continuará, como tem que ser, como quero que seja.
Parado, nunca estive, por mais que minhas ânsias juvenis me deixassem a deriva de tal impressão. E, na realidade, não me senti mal enquanto afundado em pensamentos oscilantes nesses tempos de pausa, nesses momentos de, digamos, vácuo sentimental - pelo contrário, talvez tenha sido de maior fluidez pessoal, e de grande aproveitamento. E incrível essa dita lacuna - e seu significado literal não deve ser levado a sério nesse registro -, incrível seu grau de contribuição para as tão necessárias reflexões e inflexões, e a tristeza proveniente desta foi igualmente ou até ainda mais fundamental para tal.
E o motor continua, e as expectativas suavizam porque nem são mais necessárias, até porque a maturidade se choca com o exagero dessas. E vou me preparando.

Citação: do romance de John Fante, Ask the Dust.

unorthodox

Eu os via sobre uma visão mais clara, a cada gole. O café tinha gosto requentado porém era forte, e, amargo, funcionava como um excelente aditivo ao primeiro cigarro, naquela manhã preguiçosa e agradável. A chuva caia sem pressa, e prendia o frio deixando o vento mais gélido. Poderia dividir uma cerveja naquele exato momento com qualquer um daqueles que nas calçadas dormiram, que delas despertavam, ao primeiro raio de luz, que chegavam encharcados e com olhos perdidos e continuamente flagelados pela vida na rua. Talvez a familiaridade e certo aconchego que emitiam provinham da quantidade redobrada que necessitavam para as noites invernais. Trabalhadores chegavam também, mais rígidos porém paternais, e chegavam com seus olhos vermelhos e cansados, prontos para algumas doses antes de encarar o ritmo das construções ou da segurança privada. Um afirmava, em ode à vida boêmia, como sua mulher não o deixava mais beber durante o dia, o que logo justificava suas escapadas diárias aos botecos. Alguns assentiram com a cabeça, outros me espiavam - era, sem sombra de dúvida, o freqüentador de menor idade dali, e, de qualquer forma, naquele lugar pouco me aventurava para além da cafeína e da nicotina. Meu início de dia, porém, era compartilhado ali, com aquelas vagas idéias, com aqueles acomodados à suas próprias feridas, com aqueles cujas mentes me soavam muito mais interessantes do que aqueles que corriam para métodos ortodoxos ao primeiro menor que seja tropeço.
Aos poucos iniciava conversas, aos poucos não ganhava mais os olhares de surpresa com minha estada ali. Aquelas linhas de vivência que eles expunham com clareza por seus rostos castigados, pela quantidade de cachaça nos copos plásticos.

street sages

and, oh, those crazed old bums out on the streets
and the sheets they draw from underneath their souls
their conflicted souls, their rejected numbness
oh, my little girl, couldn't we..?
live a bit like they live, and free ourselves
make a scape through what is harshly though apparently clean
seems clean and it's actually the dirtiest of them all
I really don't feel like conformation today
I feel like living it up to my nature
I feel like experiencing outside presumable

the understood and proven methods
failing in a post-modern failed society
falling through fucked up bricks
absorbing what's left out of free spirits
and the walls rise up to protect unworthy shit
I could ask myself what's left
what's left of authenticity, mine, theirs
what's left of the street scent
of my insides and its colors
but i'd be greatly depressed while realizing
the reduced and simplified pathways
the ones that spill everything
and the certainty about some facts
and the line being drawn from this
sliding sadness, hanging around in the attics

young and pure

Poderia ser o vento que cortava e derrubava as sensações térmicas, ou poderia ser o vinho branco, mas aquela onda de nostalgia, aquele choque de saudade que não era em nada específica, era tão perdida quanto os dois se sentiam. A inexatidão e incerteza daquilo, a urgência adolescente e a vontade de se deixar ir, carregado com qualquer que venha a ser a próxima corrente. A nostalgia se apresentava mais por possibilidades e não por uma tangível saudade do que há tempo se fora, e não era triste, apenas preenchia o ar agradavelmente como um tipo de música imaginária.
O sentimento era incerto também, prematuro, entretanto ele sentia que tal sentimento tinha um potencial totalmente inexplorado e um fundo mais sedento do que puramente insatisfeito. Não era uma corrida, a urgência era simplesmente superficial e ficar ao lado, dividindo olhares perdidos, lhe parecia muito mais importante e agradável do que qualquer outra coisa, ambos tortos por uma leve ação do álcool em seus corpos.
As palavras fluíam na hesitação, na dúvida da amizade apaixonada, e a garota ao seu lado tentava redirecionar a atenção para a beleza daquela noite, daquela cidade, daquelas luzes. As ondas de movimento que os carros incitavam os convidava para uma caminhada, e à beira-mar eles comentavam, sem nenhum foco aparente, sobre seus arredores. A conversa fluía e as pausas demonstravam uma mútua hesitação em abrir uma brecha para revelaram a atração que sentiam um pelo outro.
Uma segunda onda de nostalgia iria resvalar outra vez, e outra vez eles se encontrariam perdidos em uma imensidão, procurando os limites da baía com um fundo nublado, e novamente não se importariam. Estavam ali, um, o outro, juntos.

Citação: Iggy Pop - Fall in Love With Me

if I could be anything in the world that flew

A liberdade que o vento me entregava eu retribuía me apegando completamente a ele, e ali acompanhando com meu distante olhar as gaivotas que voavam sobre a baía. Que atravessavam as amenas luzes do sol de fim de tarde. Poderia ficar ali, pousando distante, me desprovendo de tudo aquilo que insistia em me sobrecarregar com. A existência me deixava imerso em surpresa, em admiração. O barulho do trânsito e a densidade da cortina de prédios à beira-mar não me perturbavam, muito menos a profundidade e a emergência da respiração que a imensidão do mar e seus significados - era tudo tão incrível, e eu me via em perfeita harmonia, reprimindo qualquer preocupação que representava muito pouco em relação à tudo aquilo, como sempre representa, o difícil é lembrar durante uma extenuante rotina.
Ainda que a coexistência urbano-litorânea me fosse extremamente pacífica e benéfica, em retrospecto oscilava, estando à procura de silêncio, mas me apaixono no meio tempo pelo barulho, e a luminosidade que trazia consigo. O refúgio me parecia ao mesmo tempo agradável mas a estabilidade expunha minha covardia, ao passo que as vias do movimento estavam mais escassas e finas, superficiais. Não pretendia decidir em nada, apenas coexistir em algum ponto entre essas duas definições - entretanto minha tendência não é o meio, e sim os extremos.
Meus olhos continuavam a seguir as gaivotas, e meu pensamento flutuava, e a nostalgia criava sua atmosfera porém ela não me sufocava, apenas integrava a memória - não naquele momento, claro. Minhas concepções clareavam e o simplismo substituía reações pesadas. Agora, estava seguindo o barco, até que observei que as nuvens formavam algo próximo de uma onda, agora com o sol já quase inteiramente coberto por elas, e o céu entrava no período transitório para a noite.

Citação: Lou Reed - Andy's Chest

tempos difíceis

Um dos sentimentos mais tangíveis que existem é a indignação – ou seja, a revolta contra algo que sua moral, seus ideais ou qualquer outro fator de influência julgam como errado. Leva aos chamados crimes de ódio, assim como a revoluções pró-liberdade ou mesmo à mudanças pessoais drásticas. Me levou, em diversos almoços, à quase quebrar a televisão, e chutá-la imaginando sua estrutura de plástico como sendo a cabeça de algum jornalista estúpido – algum dos diversos que ocupam os informativos do horário do 12h em qualquer emissora aberta, e que brigam para conquistar o primeiro posto no quesito sensacionalismo (i.e. jornalismo de brincadeira, direcionado as massas, que trabalha com choques para entreter). Os estágios de raiva por indignação que quase me levaram a tal ato espontâneo coincidiram com a duração do telejornal, aumentando com cada risada que as irritantes âncoras dividiam, com cada reportagem mostrando mais um corpo encontrado nas margens de um rio da periferia (e olha que não são poucos), em palavra pronunciada no pequeno léxico que parecem formar os jornalistas que trabalham em tais canais, e culminando em alguma matéria absurdamente importante e relevante – adverte-se pesado uso de sarcasmo na sentença – sobre alguma dieta supostamente importada de celebridades norte-americanas.
E o pior: na briga dos sensacionalistas por audiência, quem conseguir melhor alienar o público com seqüências que alternam entre o mortuário do Instituto Médico Legal, algum comentário de um membro da população “revoltado” (e aparentemente todos exibidos nas reportagens apresentam algum quadro de obstrução mental/incapacidade de raciocínio) e finalmente um “tele-alucinógeno” para as donas de casa sonharem com uma vida “de artista”, quem conseguir melhor apresentar esses quadros, ganha a disputa dos índices de audiência. É a mídia da estupidez, e, sem muita surpresa, é a mídia dominante, e digo sem surpresa porque é só observar os níveis de escolaridade ou o numero de leitores e traçar um paralelo.
Enquanto os estúpidos na frente das câmeras fazem a população, indefesa, oca, absorver ainda mais lixo midiático, o que realmente importa fica de lado, quem sabe recebe um espaço de alguns segundos como nada que valha muito a pena – ou angarie muitos espectadores sedentos por sangue e por satisfazer seus mais íntimos desejos sádicos. Um exemplo que deliciosamente evidencia isso é a deflagração das greves na educação que revelam a real falha que é a educação no nosso país. Em casa, pais se retorcem pelo mesmo sentimento que lhes falei no início desse texto – indignação. Seus filhos agora passam os dias inteiros em casa, ao invés de na escola, devido à greve no magistério. Governo, coloque os professores de volta à ativa, ‘meus filhos não tem para onde ir nas manhãs, ficam em casa!’. Governo que esses pais colocaram no poder, por votação democrática, depois de muito pesquisarem e depois de receberem informações por meio de um jornalismo responsável que faz de nosso país... percebem? No fim, tudo acaba influenciando. Estupidez leva à ignorância, que é a estupidez em si. E os pais, reclamando por um lugar para colocar seus filhos, um depósito, de qualquer forma que esse depósito seja, de qualquer grau de produção. Indignação pela qualidade tão ruim que chega a ser (no meu ponto de vista, claro) anos-luz mais chocante do que uma pilha de corpos em uma praça em qualquer periferia. Na interessantíssima matéria sobre tal assunto que apareceu no telejornal, lá estavam os alunos, indo para a escola e encontrando salas sem professores. Os corredores da escola, vazios, sem vida, em tons de azul apagado e formação aparente de rachaduras nas colunas igualmente pintadas de ‘azul-morto’. É para reforçar minha falta de esperança? No telejornal, no segmento que está sendo anunciado, de modo teatral, aparecem um grupo de moradores revoltados querendo asfalto. Ruas, asfaltadas, claro, para passearem com seus carros recém-comprados que lhe deixarão endividados por um período de aproximadamente 80 meses. Ah, espera, é o tal sonho da classe media...
Enfim, meu argumento não é em torno da nossa irresponsável economia domestica, e sim centrado em pura e simples ignorância popular. Eu me sinto aliviado por ter desenvolvido um discernimento ao menos suficiente para escapar da armadilha dessa epidemia (presente em todas as camadas sociais, reafirmo). Esse texto foi feito motivado não só pela absoluta má qualidade do jornalismo das massas do meu estado, mas também por pura admiração pela diversidade que encontramos ao nosso redor – os diferentes rostos, diferentes estilos, opiniões, modos de pensar. E a tristeza que ecoa do sufoco que a ignorância causa, abafando qualquer via de desenvolvimento mental que deveríamos buscar, constantemente, incessantemente.

Citação: título de livro do Charles Dickens, Hard Times.