em uma contradição, cheque as premissas

(texto sem nenhuma estrutura ou linearidade e sem nenhum propósito de o ser, nem fingir que o é)

Agora ele entendia. Enquanto se perdia pelas diferentes camadas de cor por entre nuvens de um fim de tarde que oscilou entre chuva até um sol avermelhado, ele refinava sua linha pessoal de pensamento.
E, finalmente, concluía - ainda que sem chegar exatamente a uma conclusão, porque ela nem existia, apenas a um pensamento concreto que refletia seus valores morais - que não o importava os julgamentos alheios, os olhares de repreensão, os gestos faciais que denotavam desentendimento - não, eles não iriam entender, nem deveriam, nem lhes em nada é importante entender. O que importava, ele pensava, eram os lábios daquela garota. Ainda que metaforicamente, claro - já que isso representava a confiança, a vontade, os momentos. Não era paixão, era uma autoconfiança exagerada que lhe servia para acentuar seu desprezo em relação as disparidades e hipocrisias dos arredores diários.
Seu raciocínio, caindo no cerne do que sentia, agora circundavam outros, e mais extensos, campos. Pensava na revolta que sentia com essas cordas finas, porém de certa forma resistentes por insistência (e não a força em si), que se impunham automaticamente como resultado de viver em um âmbito social, e que lhe impele para o isolamento, e que lhe deixa enojado, enquanto vê e sente o desperdício de mentes produtivas ocasionado pelo mais completo ócio - resultando nessa incrível roda-gigante viciosa que prova qualquer teoria do ser desprovido de luz - e não porque ele intrinsecamente o é, e sim porque ele ignora que, na verdade, não é.
Percebera que até havia esquecido de acender o cigarro, que estava passeando por seus inquietos dedos nos últimos minutos. E, outra coisa, percebera o quão aquilo ia longe - e sentia um misto de temor e esperança, e não entendia, em meio ao desespero da falta de pensantes... surgia-lhe a noção real de que todos tem tal capacidade, pois o são por natureza. Então porque a rejeitam? (...)

Citação: título adaptado de trecho do romance de Ayn Rand, A Revolta de Atlas

moment’s notice

A lânguida sombra que fazia frente a diminuta fresta de luz que penetrava pela janela era, de seu modo, animadora. Ele poderia encarar aquela sombra, poderia deixar sua atenção repousar por horas naquela forma escura, até ela se revelar em luz, até se revelar em uma linda forma de um corpo.
O vento soprava cada vez mais longe o resquício de frio, e as expectativas se amontoavam, culminando no sentimento que construía por aquele ser, que a sua frente se levantava para tomar algo, que caminhava pelos corredores daquele modo característico, desajeitado. Em seus olhos transcrevia-se, cada vez mais, uma anciente tristeza, uma deficiência de afeto que, só pelo segunda atenção se percebia, e uma deficiência que prostrava uma de difícil transposição barreira, uma barricada sentimental. Os olhos, porém, reluziam quando excitados, e com força. O corpo, dado aos trejeitos mais detalhistas entretanto de certa forma jogado e desprendido, estava perdendo sua variedade de movimentos com uma tendência ao isolamento pessoal.
E, aquela fase melancólica em que a sombra escurecia mais um pouco, aquela sombra revelaria-se ainda mais impressionante ao encarar a pura luz, e ele queria ser o agente determinante de tal transição.
Citação: John Coltrane - Moment’s Notice

os tempos de solidão

Ignore toda a verdade que circunda seus conflituosos pensamentos, e ignore suas atitudes estúpidas que se repetem e se tornam algo tão intrínseco de sua personalidade que fica difícil distinguir seu próprio humor.
Mas, simplificar como o puro e simples ato de ignorar talvez seja inapropriado, até porque é algo muito mais complexo e fundamental que um ato, ou um padrão de atos, de cenas, da sucessão delas.
O momento de se arrepender por essas ações vai se arrastando e torna-se um simples resultado reacionário, algo que é feito de modo mecânico dentro de uma rotina que aos poucos se torna difícil de escapar. E, o escape que aparece, frigidamente, é um radical e simplista caminho que ainda que de início parecendo uma via por entre um campo aberto, aos poucos se mostra limitado a apenas a via em si, dentro de um repertório contínuo e repetitivo. A alternativa que digo é a solidão - tão insuportável e envolta por gigantesca capa emitindo medo para alguns, porém tão agradável para outros. Não sei se faço parte dos outros inteiramente, porém certamente grande parte de mim faz parte desse limitado percentual. O conforto, nesse caminho de confronto, vai se esvaindo, e recai nos seguidores as limitrofes humanas de subsistência - de necessidade de companhia.
Não me aventuro com total entrega a esse caminho, me mantenho cauteloso com certo medo da incipiente infinidade que o caminho propõe, sem ramificações, sem retornos, ao aprofundado. Íntimos pessoais me conferem certa aptidão para tal, mas os peões que interferem como obstáculos para seguir esse obscuro logradouro se apresenta em forma de indivíduos incríveis e toda a prosa interminável e que representa o extremo do fascínio.
E não ignore, porque é a recusa do êxtase, e é o que há de mais nutritivo para uma vida - o êxtase, o momento, a prosa, fluindo...

Citação: parcialmente do romance de Gabriel García Marquez, Cem Anos de Solidão.

they were beliefs I felt were myths

E, em retrospectiva, não parece infundado. Se assemelha mais a uma linha de ação inevitável que transcorre de uma corrente de pensamentos dominantes que nunca, nunca me abandonaram, e que sempre marcarão toda as minhas atitudes dentro de um panorama que apenas me pertence. A questão de ser ou não benéfico perde importância ao chocar-se com o caráter pessoal e intransferível, e não há nada que qualquer ser vagante possa fazer para mudar - e nada em que eu possa contribuir, e pode parecer difícil para externo entendimento, mas... é como as coisas são.
Mas, aos meus surpresos e inexperientes olhos, vejo com surpresa toda a mudança que estão não exatamente moldando - pela velocidade de mudança - mas que vão traçando diferentes e incongruentes vontades que no fim se tornam harmônicas, participando em ode de algo maior - minha personalidade, a construção da identidade. Posso olhar como silencioso esses últimos tempos, mas o barulho se manteve estável apenas no sentido de seu estrondoso movimento dentro de mim, e o acolhi porém abrandei, mas sei que, no próximo período de combustão, provavelmente virá maior, mais denso - e o processo continuará, como tem que ser, como quero que seja.
Parado, nunca estive, por mais que minhas ânsias juvenis me deixassem a deriva de tal impressão. E, na realidade, não me senti mal enquanto afundado em pensamentos oscilantes nesses tempos de pausa, nesses momentos de, digamos, vácuo sentimental - pelo contrário, talvez tenha sido de maior fluidez pessoal, e de grande aproveitamento. E incrível essa dita lacuna - e seu significado literal não deve ser levado a sério nesse registro -, incrível seu grau de contribuição para as tão necessárias reflexões e inflexões, e a tristeza proveniente desta foi igualmente ou até ainda mais fundamental para tal.
E o motor continua, e as expectativas suavizam porque nem são mais necessárias, até porque a maturidade se choca com o exagero dessas. E vou me preparando.

Citação: do romance de John Fante, Ask the Dust.

unorthodox

Eu os via sobre uma visão mais clara, a cada gole. O café tinha gosto requentado porém era forte, e, amargo, funcionava como um excelente aditivo ao primeiro cigarro, naquela manhã preguiçosa e agradável. A chuva caia sem pressa, e prendia o frio deixando o vento mais gélido. Poderia dividir uma cerveja naquele exato momento com qualquer um daqueles que nas calçadas dormiram, que delas despertavam, ao primeiro raio de luz, que chegavam encharcados e com olhos perdidos e continuamente flagelados pela vida na rua. Talvez a familiaridade e certo aconchego que emitiam provinham da quantidade redobrada que necessitavam para as noites invernais. Trabalhadores chegavam também, mais rígidos porém paternais, e chegavam com seus olhos vermelhos e cansados, prontos para algumas doses antes de encarar o ritmo das construções ou da segurança privada. Um afirmava, em ode à vida boêmia, como sua mulher não o deixava mais beber durante o dia, o que logo justificava suas escapadas diárias aos botecos. Alguns assentiram com a cabeça, outros me espiavam - era, sem sombra de dúvida, o freqüentador de menor idade dali, e, de qualquer forma, naquele lugar pouco me aventurava para além da cafeína e da nicotina. Meu início de dia, porém, era compartilhado ali, com aquelas vagas idéias, com aqueles acomodados à suas próprias feridas, com aqueles cujas mentes me soavam muito mais interessantes do que aqueles que corriam para métodos ortodoxos ao primeiro menor que seja tropeço.
Aos poucos iniciava conversas, aos poucos não ganhava mais os olhares de surpresa com minha estada ali. Aquelas linhas de vivência que eles expunham com clareza por seus rostos castigados, pela quantidade de cachaça nos copos plásticos.

street sages

and, oh, those crazed old bums out on the streets
and the sheets they draw from underneath their souls
their conflicted souls, their rejected numbness
oh, my little girl, couldn't we..?
live a bit like they live, and free ourselves
make a scape through what is harshly though apparently clean
seems clean and it's actually the dirtiest of them all
I really don't feel like conformation today
I feel like living it up to my nature
I feel like experiencing outside presumable

the understood and proven methods
failing in a post-modern failed society
falling through fucked up bricks
absorbing what's left out of free spirits
and the walls rise up to protect unworthy shit
I could ask myself what's left
what's left of authenticity, mine, theirs
what's left of the street scent
of my insides and its colors
but i'd be greatly depressed while realizing
the reduced and simplified pathways
the ones that spill everything
and the certainty about some facts
and the line being drawn from this
sliding sadness, hanging around in the attics

young and pure

Poderia ser o vento que cortava e derrubava as sensações térmicas, ou poderia ser o vinho branco, mas aquela onda de nostalgia, aquele choque de saudade que não era em nada específica, era tão perdida quanto os dois se sentiam. A inexatidão e incerteza daquilo, a urgência adolescente e a vontade de se deixar ir, carregado com qualquer que venha a ser a próxima corrente. A nostalgia se apresentava mais por possibilidades e não por uma tangível saudade do que há tempo se fora, e não era triste, apenas preenchia o ar agradavelmente como um tipo de música imaginária.
O sentimento era incerto também, prematuro, entretanto ele sentia que tal sentimento tinha um potencial totalmente inexplorado e um fundo mais sedento do que puramente insatisfeito. Não era uma corrida, a urgência era simplesmente superficial e ficar ao lado, dividindo olhares perdidos, lhe parecia muito mais importante e agradável do que qualquer outra coisa, ambos tortos por uma leve ação do álcool em seus corpos.
As palavras fluíam na hesitação, na dúvida da amizade apaixonada, e a garota ao seu lado tentava redirecionar a atenção para a beleza daquela noite, daquela cidade, daquelas luzes. As ondas de movimento que os carros incitavam os convidava para uma caminhada, e à beira-mar eles comentavam, sem nenhum foco aparente, sobre seus arredores. A conversa fluía e as pausas demonstravam uma mútua hesitação em abrir uma brecha para revelaram a atração que sentiam um pelo outro.
Uma segunda onda de nostalgia iria resvalar outra vez, e outra vez eles se encontrariam perdidos em uma imensidão, procurando os limites da baía com um fundo nublado, e novamente não se importariam. Estavam ali, um, o outro, juntos.

Citação: Iggy Pop - Fall in Love With Me