Mostrando postagens com marcador antigo. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador antigo. Mostrar todas as postagens

dum dum boys

Como quando sentávamos em círculos, em grupos, felizes, embriagados, dividindo opiniões similares e precipitadas sobre determinado tema, e éramos tão imediatistas e teimosos sobre nossas palavras. Dividíamos naquele momento um profundo prazer, não exatamente aquele prazer refinado e poético que tanto se almeja e valoriza, mas sim aquele que promove as prosas intermináveis e a vontade sem pensar, sem pudor. Se mentíssemos o motivo seria puramente superficial e não havia malícia.
Éramos novos, e corríamos do sol e procurávamos por algo para beber e ansiávamos em ver o mar, em chegar na praia, e íamos perdidos em uma transe e uma fluidez, e tínhamos total certeza que acharíamos o caminho - exatamente porque não pensávamos muito nele.
Exaustivamente e repetitivamente, perguntaríamos todo o sentido, e discutiríamos ele com aquela certeza juvenil - porém nunca realmente procuraríamos ele, porque ele não era necessário, porque só estar era o fundamental.
Sem perceber, sem querer, construíamos o intrínseco de nosso ser, da nossa vivência, e traçávamos a linha principal que iria correr os boulevards e avenues da posterioridade. E iríamos alargá-la com cada momento de euforia e animação que iria proporcionar a mudança para highways e autobanhs. E o cansaço seria rapidamente substituído por mais, e estaríamos satisfeitos sentido no físico toda aquela exaustão - exatamente porque significava proveito. Estávamos preparando nosso terreno.

E continuaríamos a preparar, mas com o irritante atenuante de tentar imitar o passado, cujas imperfeições passaram despercebidas em meio à fluência que nossa imaturidade proporcionava.

Citação: Iggy Pop - Dum Dum Boys

moment’s notice

A lânguida sombra que fazia frente a diminuta fresta de luz que penetrava pela janela era, de seu modo, animadora. Ele poderia encarar aquela sombra, poderia deixar sua atenção repousar por horas naquela forma escura, até ela se revelar em luz, até se revelar em uma linda forma de um corpo.
O vento soprava cada vez mais longe o resquício de frio, e as expectativas se amontoavam, culminando no sentimento que construía por aquele ser, que a sua frente se levantava para tomar algo, que caminhava pelos corredores daquele modo característico, desajeitado. Em seus olhos transcrevia-se, cada vez mais, uma anciente tristeza, uma deficiência de afeto que, só pelo segunda atenção se percebia, e uma deficiência que prostrava uma de difícil transposição barreira, uma barricada sentimental. Os olhos, porém, reluziam quando excitados, e com força. O corpo, dado aos trejeitos mais detalhistas entretanto de certa forma jogado e desprendido, estava perdendo sua variedade de movimentos com uma tendência ao isolamento pessoal.
E, aquela fase melancólica em que a sombra escurecia mais um pouco, aquela sombra revelaria-se ainda mais impressionante ao encarar a pura luz, e ele queria ser o agente determinante de tal transição.
Citação: John Coltrane - Moment’s Notice

everyone else rushing round

Ainda não amanheceu. Os termômetros da beira-mar marcam 9ºC e o movimento de carros é mínimo, quase como se a avenida estivesse em seu repouso obrigatório antes de agüentar outro dia e noite com intenso tráfego de veículos sobre seu asfalto castigado. A calçada está quase vazia, há um mendigo em um dos bancos e alguns locais já estão fazendo sua caminhada diária. A baía está lisa e o céu limpo; a escuridão da noite já está cedendo aos primeiros raios de sol. O rádio do carro está particularmente agradável, tocando um repertório repleto de bossa nova, condizente com esse cenário de fim de madrugada. Recém acordado, ainda sinto meus olhos pesados e anseio por um copo de café. Um cheiro característico infla o carro quando abro um pouco a janela, misturado com o vento gelado que bate de leve. Era realmente algo que me agradava, aquele frio, a vista da beira-mar. É estranho observar esses lugares que comumente estão sempre apinhados quando vazios. Silenciosos.
Ao sair do carro, aquele cheiro e vento característicos da baía, agora um pouco acentuados. As pontes se erguem em meus dois lados, com a que simboliza a cidade já com as luzes apagadas. Antes de começar o treino, dois copos de café e uma corrida pela cabeceira da ponte, duas vezes, ida e volta. Os pescadores já ali estão arrumando seus equipamentos, concentrados, passamos despercebidos por eles. Os outros meninos aparentam sono, como eu, mas dividem algumas piadas enquanto reparo no grafite que preenche quase inteiramente as laterais dali. Na última volta, apostamos uma corrida - terceiro lugar, não tão ruim. Chegamos, finalmente, hora de ir pra água. Vamos em quatro, enquanto o treinador está me alertando para que use mais a academia do clube - não é exatamente minha parte preferida de lá. Primeiro pé na água - terrivelmente gelada, e o lodo em nada ajuda, ou o aroma. Vou sozinho, enquanto os outros irão em dois e mais outros dois sozinhos também. O single skiff amarelo está em boas condições, mas não os remos... não que fosse de tamanha importância também. Sento no barco, ajusto o carrinho e os remos. Tudo pronto - ah, com um aviso extra do treinador para não irmos em direção sul porque se não acabaríamos surfando. Passo por baixo da ponte, chego na beira-mar com sua cortina de prédios, que logo estariam refletindo a luz do sol. A água está realmente excelente - quase nenhuma ondulação. Os remos fluem por ela com facilidade, o skiff sem o menor problema. Mesmo sem fones de ouvido, uma música está ecoando na minha cabeça, quase como uma trilha sonora para aquilo. O céu está tingido parte por um rosa, parte por um azul quase escuro. Acelero um pouco, já que fiquei atrás por conta de tanta observação. Não é difícil aumentar a velocidade dado a tranqüilidade das águas. Já há muito mais carros nas ruas, muito mais pessoas caminhando. Poderia fazer aquilo durante toda a manhã, mas ainda tenho aula. Depois de meia hora, paro e observo por um momento. Os barcos, as gaivotas, pra que tanta pressa quando isso implica tão pouca observação?
--

Mesmo não praticando a quase dois anos, pretendo voltar ainda ao remo, e estou morrendo de saudades de toda essa rotina.

Citação: Nada Surf - Blonde on Blonde

terreno desobstruído

"Pois bem, aí está. Consumou-se. (...) O terreno está desobstruído. Limpo. Completamente limpo. E me pertence. Uma vitória tão completa e a tanto custo conseguida, de repente me traz insegurança. Assusta-me: as pontes estão cortadas atrás de mim, é preciso avançar. Criei um vácuo sob meus passos, para onde caminharei? No limiar da felicidade, por mais merecida que seja, por mais que nos tenha custado, o coração hesita; tenho medo de meus remorsos, de minhas complacências. (...) Não é bom voltar-se sobre ruínas; já não sabemos para onde vamos.
Mas não: a angústia está ligada a meu estado e de ambos me livrarei ao mesmo tempo. Esse mal-estar da alma é normal, disseram-me. (...) É preciso queimar esse passado de uma vez, como se faz com as velhas cartas, e não mais pensar nele. E continuar. No mesmo sentido"

trecho inicial de O Repouso do Guerreiro, de C. Rochefort.

sexta azul

Como é a sensação de me tratar do jeito que você me trata?

Quando você pôs as mãos em mim

E me disse quem você é

Pensei que estava enganado

Pensei ter ouvido tuas palavras

Me diga como eu me sinto

Me diga agora como eu me sinto


Aqueles que vieram antes de mim

Viveram suas vocações até o fim

Do passado até sua compleição

Eles não virarão mais as costas

Eu ainda acho tão difícil

Dizer o que preciso dizer

Mas tenho total certeza de que você vai me dizer

Exatamente como devo me sentir hoje


Vejo uma embarcação na marina

Eu posso obedecer e obedecerei

Mas se não fosse por sua infelicidade

Estaria me sentindo absurdamente bem hoje

E eu pensei que estava enganado

E eu pensei ter ouvido você falar

Me diga como eu me sinto

Me diga agora como eu me sinto


Agora estou aqui, em pé, a espera...

pensei que tinha dito a você para me deixar

Enquanto desço a pé até a praia

Me diga como é a sensação...

quando esfria o seu coração, esfria...


música do New Order, Blue Monday

o fantasma

Acho incrível sua capacidade de (re)aparecer no momento em que eu estou mais confiante na balela de que tudo passou e eu já ultrapassei você e sua doentia tentativa de relacionamento. Você vem acreditando piamente que ainda me têm de alguma forma - como um fiel estepe, como se fosse estar sempre ali quando você briga com seu namorado. Você joga em mim os velhos truques que conseguiram me amarrar por certo tempo - na verdade, me amarraram e me machucaram - e com aquela velha conversa que hoje soa tão insuportável e pior, soa tão falsa.
E... quer saber? Não cola mais. Nem é o suficiente para me segurar, por um segundo a mais que seja. Entendi qual é a sua, e não gostei nem um pouco. As vezes me pergunto como consegui gostar de você, com essa paixão que nada mais passa de perversa necessidade de possuir. Você diz que me entende. Que ainda gosta de mim. Sei que o primeiro não é verdade, porque, se você realmente me entendesse, não ia me perder dessa forma tão dissimulada. Se ainda gosta de mim, não me importo mais, porque não quero ter mais nada a ver com você e suas doentias tentativas de ter um relacionamento.
Cansei de você. Não quero mais. E não aceito, em nenhuma circunstância.

o velho ímpeto de sentir

Acho estranho ter lembranças fortes só por ver uma foto, ou por estar em certo lugar, ou sentindo a textura de algo, ou ouvindo certa música ou até mesmo um ruído. Ainda mais quando não é apenas uma, é um turbilhão incomensurável de memórias. Memórias de sentimentos que se transformaram em fantasmas do passado por não terem tido uma resolução adequada em seu término. É inevitável pensar em como seria diferente se algumas ações minhas tivessem sido diferentes. Mas também foi inevitável o que aconteceu. Talvez uma questão de maturidade ou de minha própria personalidade conservadora, se algumas eu não tivesse colocado um ponto final, poderia ter resultado em algo pior (ou talvez essa motivação seja só resultado de covardia), e as lembranças boas seriam dissolvidas em uma mágoa mútua que só tenderia a crescer.
Não é necessariamente um consolo que a maioria dessas lembranças sejam na verdade boas, porque isso me deixa pensando que eu posso ter evitado mais lembranças boas a serem criadas. Resulta em um subterfúgio para que eu continue essa mania egocêntrica de me isolar em minha própria bolha - algo que venho trabalhando para abandonar.
Originalmente, essa postagem foi concebida dentro do mar, enquanto mergulhava embaixo de uma formação de nuvens depois de mais um dia quente e abafado do castigante e cansativo verão. Estava escurecendo, o dia tinha sido mais outro excelente dia na praia com amigos, e meus hábitos de verão estavam me fazendo esquecer de todo e qualquer drama do ano que acabava de passar. E isso é algo consolidado, felizmente: o drama havia passado. Claro que outros irão surgir durante o ano, mas, os que passaram, definitivamente me prepararam para novos.
Confesso que as lembranças de quem lembrei são muito boas. Foi aproximadamente na metade do verão que nós acabamos juntos, em outra noite quente e agitada de verão, na praia. Foi tão gostoso e acabamos vendo o nascer do sol dentro do mar, sentados na beirada da areia. Essa cena iria se repetir diversas vezes durante nossos meses juntos, assim como as cenas no campo de futebol. Lembro com completa visibilidade de nosso tempo juntos, e, após o término, me perguntei até cansar porque eu terminei com você. Consegui ilustrar o motivo, porém ainda me pergunto se foi um motivo tão forte para terminar. Quer seja ou não, o que sucedeu isso também me proveu boas lembranças. E disso não tenho nenhuma dúvida ou perguntas para me fazer.
E, quero que você lembre-se sempre que pensei, primeiramente em você. Se tivesse pensado só em mim, teria deixado que isso se estendesse até tudo se deteriorar. Mas não o quis - depois de horas e horas a fio pensando na melhor forma de agir com precaução. E, depois de tudo isso, e depois de reler o que acabei de escrever, me sinto tão bem por ter tido algo tão especial com alguém ainda mais - e fico em espera por ter isso de novo, porque simplesmente não consigo mais suportar a volatilidade dos outros.

entre eu e você, 1

Começo de tarde. Sol alto, calor ao ponto do insuportável, praia chamando por meio de sua irresistível brisa marítma - e pelo cheiro inconfundível de protetor solar. Você me chama para um banho de mar enquanto coloca seu biquini azul com bolinhas brancas que contrastam perfeitamente com seus olhos azuis e sua pele em transição para algo próximo do bronzeado. Corremos em direção ao mar enquanto as ondas nos pegam sem nenhuma surpresa, com exceção do choque térmico que envolve nossos corpos e a sensação sempre garantida de alívio e ao mesmo tempo intensa que a água salgada trás. O vento parece não incomodar porque nada mais parece incomodar, afinal, está só nós dois e tudo parece conspirar para uma ótima tarde. E realmente foi, como sempre acaba sendo ao seu lado.
E aí que vem na memória todas aquelas noites em companhia sua, nesses últimos três anos.
Minhas estações começaram a ser marcadas não só pelo clima, mas por alguém.
Todas os abusos no álcool com você, todos os filmes idiotas e caricatos, todas as listas e todos os cafés - ah, e nossos pequenos rituais.

--

Finalmente pude matar minhas saudades suas hoje. Sério, mesmo com nosso (pequeno, porém, ao menos para mim, risivelmente perceptível) afastamento, você continua sendo a que melhor me entende, e continuo te entendendo do começo ao fim. Continuamos com nossos modos diferentes e mudamos muito - na verdade, o que é mais latente é que mudamos de cenário, e, agora, estamos os dois em panos de fundo diferentes - mas nossa relação pareceu intocável e acho que a noção de nós dois juntos nunca vamos perder. Queria acordar amanhã ao seu lado, mas a rotina impediu esse desejo e a trilha inventada de hoje pôde reparar um pouco a falta que você me fez. E, só porque você manteve seu espírito nesses quase três anos que nós temos juntos, loira... te amo.

you who ran the ship

Depois de tudo errado que aconteceu - julgando que a separação fora completamente danosa, o que não foi - fiquei dias e noites pensando não no que acontecera, mas em você.
Começou com o invariavelmente agitado dia no qual nossa relação se iniciou. Conversando com um amigo meu, você estava próximo com o namorado dele trocando qualquer confidência; ambos fora de vista - ao menos naquelas luzes confudíveis, quase intoxicantes. Eu me sentia um pouco vazio e pesado com culpa, herdados de algo que já havia passado mas ainda estava fresco em minha memória. Você chega, com um copo contendo algo colorido na mão. Parece meio perdido e meio ingênuo; seus cabelos louro-escuro estavam retocados de suor; seus olhos castanhos brilhavam ao se chocarem com tais luzes intoxicantes da boate. Todos estavam em movimento; era o auge da noite e éramos os únicos parados, enquanto o casal que nos acompanhava dirigia-se para a lotada e enérgica pista de dança. O seu amigo fez algum sinal estranho para mim que vim a entender apenas mais tarde, apenas havia entendido que se referia a você. Não havia a possibilidade de conversa, não com entendimento... você veio calmamente, logo pensei que fosse tentar algo, como os outros impacientes e ignorantes membros dessa geração agora costumam fazer, friamente e sem sentimento (citando Baldwin, como um fio ligado a uma tomada sem corrente elétrica; há o contato mas não há troca de calor, vibração, não há verdadeira energia), porém você não prontamente o fez. Me chamou para a praia, com aquele rosto tremendamente lindo e aquelas expressões corporais corporais infantis que eu passei a conhecer tão bem e pelas quais passei a nutrir tanto carinho. Ao passar pela segunda pista até a porta de saída você tomou minha mão. Nesse momento senti que não seria algo de uma noite nem algo infrutífero... e nem foi o ato de pegar na minha mão, e sim como você tomou-a.
Ao chegarmos a praia, prontamente começamos a conversar, iniciando com o relacionamento de nossos amigos, indo para particularidades deles, até evoluirmos à nossas particularidades... sua timidez (aparente e presente, mas disfarçada por um pouco de álcool) fez seu rosto ir avermelhando, assim como fez você mexer mais e mais no cabelo. Você me olhava de um jeito doce, tão doce que conseguiu quebrar a opressão que eu mesmo impunha aos meus sentimentos. Olhou para o mar observando as luzes de Balneário Camboriú, e comentou como era bonito; logo me identifiquei com esse culto a natureza seu. Começamos a falar sobre o mar, a praia, o lugar; em um momento você, me ouvindo falar, olhando em meus olhos, me beijou. Fui tomado por uma intensa energia e agradabilidade, e não era por causa do álcool consumido na noite - até porque não fora muito. Era uma noite absurdamente quente e voltamos para a pista e dançamos até estarmos encharcados de suor, e saímos correndo para dentro do mar, de roupa. Você molhou seu celular, eu molhei meu dinheiro, mas nenhum de nós nos importávamos com isso. Depois de alguns mergulhos e conversas quebradas, sentamos na beira do mar e lá ficamos até o sol nascer. Foi um dia tão legal que, mesmo após tanto tempo que se passou (... nem foi tempo perdido) consigo descrevê-lo perfeitamente, com detalhes.
E depois desse tempo que se passou, não consegui corresponder seus sentimentos à altura, por diversas razões que nem eu consigo explicar direito. Acabou, não sei se deveria acabar, e acabou se empilhando junto com meus relacionamentos que geralmente acabam por minha causa. Mas eu ainda penso bastante em você... como aquele que mitigou minhas concepções sobre basicamente tudo.