if I could be anything in the world that flew

A liberdade que o vento me entregava eu retribuía me apegando completamente a ele, e ali acompanhando com meu distante olhar as gaivotas que voavam sobre a baía. Que atravessavam as amenas luzes do sol de fim de tarde. Poderia ficar ali, pousando distante, me desprovendo de tudo aquilo que insistia em me sobrecarregar com. A existência me deixava imerso em surpresa, em admiração. O barulho do trânsito e a densidade da cortina de prédios à beira-mar não me perturbavam, muito menos a profundidade e a emergência da respiração que a imensidão do mar e seus significados - era tudo tão incrível, e eu me via em perfeita harmonia, reprimindo qualquer preocupação que representava muito pouco em relação à tudo aquilo, como sempre representa, o difícil é lembrar durante uma extenuante rotina.
Ainda que a coexistência urbano-litorânea me fosse extremamente pacífica e benéfica, em retrospecto oscilava, estando à procura de silêncio, mas me apaixono no meio tempo pelo barulho, e a luminosidade que trazia consigo. O refúgio me parecia ao mesmo tempo agradável mas a estabilidade expunha minha covardia, ao passo que as vias do movimento estavam mais escassas e finas, superficiais. Não pretendia decidir em nada, apenas coexistir em algum ponto entre essas duas definições - entretanto minha tendência não é o meio, e sim os extremos.
Meus olhos continuavam a seguir as gaivotas, e meu pensamento flutuava, e a nostalgia criava sua atmosfera porém ela não me sufocava, apenas integrava a memória - não naquele momento, claro. Minhas concepções clareavam e o simplismo substituía reações pesadas. Agora, estava seguindo o barco, até que observei que as nuvens formavam algo próximo de uma onda, agora com o sol já quase inteiramente coberto por elas, e o céu entrava no período transitório para a noite.

Citação: Lou Reed - Andy's Chest

tempos difíceis

Um dos sentimentos mais tangíveis que existem é a indignação – ou seja, a revolta contra algo que sua moral, seus ideais ou qualquer outro fator de influência julgam como errado. Leva aos chamados crimes de ódio, assim como a revoluções pró-liberdade ou mesmo à mudanças pessoais drásticas. Me levou, em diversos almoços, à quase quebrar a televisão, e chutá-la imaginando sua estrutura de plástico como sendo a cabeça de algum jornalista estúpido – algum dos diversos que ocupam os informativos do horário do 12h em qualquer emissora aberta, e que brigam para conquistar o primeiro posto no quesito sensacionalismo (i.e. jornalismo de brincadeira, direcionado as massas, que trabalha com choques para entreter). Os estágios de raiva por indignação que quase me levaram a tal ato espontâneo coincidiram com a duração do telejornal, aumentando com cada risada que as irritantes âncoras dividiam, com cada reportagem mostrando mais um corpo encontrado nas margens de um rio da periferia (e olha que não são poucos), em palavra pronunciada no pequeno léxico que parecem formar os jornalistas que trabalham em tais canais, e culminando em alguma matéria absurdamente importante e relevante – adverte-se pesado uso de sarcasmo na sentença – sobre alguma dieta supostamente importada de celebridades norte-americanas.
E o pior: na briga dos sensacionalistas por audiência, quem conseguir melhor alienar o público com seqüências que alternam entre o mortuário do Instituto Médico Legal, algum comentário de um membro da população “revoltado” (e aparentemente todos exibidos nas reportagens apresentam algum quadro de obstrução mental/incapacidade de raciocínio) e finalmente um “tele-alucinógeno” para as donas de casa sonharem com uma vida “de artista”, quem conseguir melhor apresentar esses quadros, ganha a disputa dos índices de audiência. É a mídia da estupidez, e, sem muita surpresa, é a mídia dominante, e digo sem surpresa porque é só observar os níveis de escolaridade ou o numero de leitores e traçar um paralelo.
Enquanto os estúpidos na frente das câmeras fazem a população, indefesa, oca, absorver ainda mais lixo midiático, o que realmente importa fica de lado, quem sabe recebe um espaço de alguns segundos como nada que valha muito a pena – ou angarie muitos espectadores sedentos por sangue e por satisfazer seus mais íntimos desejos sádicos. Um exemplo que deliciosamente evidencia isso é a deflagração das greves na educação que revelam a real falha que é a educação no nosso país. Em casa, pais se retorcem pelo mesmo sentimento que lhes falei no início desse texto – indignação. Seus filhos agora passam os dias inteiros em casa, ao invés de na escola, devido à greve no magistério. Governo, coloque os professores de volta à ativa, ‘meus filhos não tem para onde ir nas manhãs, ficam em casa!’. Governo que esses pais colocaram no poder, por votação democrática, depois de muito pesquisarem e depois de receberem informações por meio de um jornalismo responsável que faz de nosso país... percebem? No fim, tudo acaba influenciando. Estupidez leva à ignorância, que é a estupidez em si. E os pais, reclamando por um lugar para colocar seus filhos, um depósito, de qualquer forma que esse depósito seja, de qualquer grau de produção. Indignação pela qualidade tão ruim que chega a ser (no meu ponto de vista, claro) anos-luz mais chocante do que uma pilha de corpos em uma praça em qualquer periferia. Na interessantíssima matéria sobre tal assunto que apareceu no telejornal, lá estavam os alunos, indo para a escola e encontrando salas sem professores. Os corredores da escola, vazios, sem vida, em tons de azul apagado e formação aparente de rachaduras nas colunas igualmente pintadas de ‘azul-morto’. É para reforçar minha falta de esperança? No telejornal, no segmento que está sendo anunciado, de modo teatral, aparecem um grupo de moradores revoltados querendo asfalto. Ruas, asfaltadas, claro, para passearem com seus carros recém-comprados que lhe deixarão endividados por um período de aproximadamente 80 meses. Ah, espera, é o tal sonho da classe media...
Enfim, meu argumento não é em torno da nossa irresponsável economia domestica, e sim centrado em pura e simples ignorância popular. Eu me sinto aliviado por ter desenvolvido um discernimento ao menos suficiente para escapar da armadilha dessa epidemia (presente em todas as camadas sociais, reafirmo). Esse texto foi feito motivado não só pela absoluta má qualidade do jornalismo das massas do meu estado, mas também por pura admiração pela diversidade que encontramos ao nosso redor – os diferentes rostos, diferentes estilos, opiniões, modos de pensar. E a tristeza que ecoa do sufoco que a ignorância causa, abafando qualquer via de desenvolvimento mental que deveríamos buscar, constantemente, incessantemente.

Citação: título de livro do Charles Dickens, Hard Times.

bonjour tristesse, adieu tristesse

E, poucos segundos depois do momento de irritação, me via arrependido, naquele lugar-comum dividido com outros que amam, que dividem sentimentos.
Uma palavra ou gesto vindo de tais indivíduos relevantes pode irritar com tamanha profundidade - mas só para, segundos depois, resultarem em uma ostensiva linha de pensamento sobre esses mesmos, uma linha que cria esparsos porém firmes percepções sobre quem nos realmente interessa. Linhas que não existiriam sem a intensidade dessa irritação advinda da importância atribuída a tais membros de nosso mosaico social.
As entrelaçantes linhas que costuram, sem a mínima preocupação com uniformidade, trabalhando com foco apenas em movimento contínuo e retalhando em nós pausas e recomeços. É o panorama estranho e fascinante que nos é oferecido vista nessa rede de sentimentos que, de maneira ou de outra, em sanidade ou mergulhado na inconsciência que tais atos (ou seres) podem proporcionar, sentimentos que insistimos em depositar em outros seres. Muda o curso de uma desejada racionalidade com bases egocêntricas - impossível de ser alcançada ética individualista, ao menos com a perfeição requerida.
Como um hábito que insistimos em levar à cabo a revelia de irreversíveis danos físicos a longo prazo, o maquinário dos gestos trocados, dos choques de vista, de uma volta no frio prazerosamente aquecida pela companhia - o tal maquinário que faz inexorável e inabalável a simples e pura vontade de ficar ao lado de alguém, mesmo em ócio, mesmo em nada.
O maquinário que se mostra de pouco equilíbrio porém confusa durabilidade em tempos pessimistas, que se mostra uma grande farsa, um gigantesco disfarce para nossas reais intenções carnais desprovidas de qualquer necessidade psicológica - e, seguindo na linha, se mostra pensamento pequenino demais frente a grandeza das emoções, da conexão, da idéia do mútuo. Ainda que ideal frágil, marcado por resistências poligâmicas de nossa verdade mesquinha e egoísta, é provido com beleza.

Citação: título do livro de Françoise Sagan, Bonjour Tristesse.

wave

A essência da paixão que se faz presente em cada pedalada, enquanto o sol agradável de inverno bate no rosto e o vento insistente nunca parece incomodar. Os carros andam em velocidade diminuta, frente à incrível vista da calma lagoa.
Um sorriso não parece suficiente para transcrever a imensidão do momento, do lugar. O ânimo se recupera, firmemente, dando vazão para qualquer resquício depressivo sem sentido. Alguma música parece fluir, silenciosamente porém sem deixar de ser notada. A sensação de liberdade continua nas pernas, e é transportada pela brisa marítima, continuamente...

I think about a world to come

Era outra manhã, outro café. Seus olhos castanhos apresentavam um aspecto continuamente triste, quase acomodado com a tristeza. Sua postura era de um cansaço, porém não exatamente físico, e sim psicológico - facilmente confundido com, talvez, sono. Ainda assim, suas feições estavam descansadas, infantis, ainda que de tempo em tempo se contorcessem em meio ao gélido ar.
No meio da multidão, seus pensamentos enevoavam em meio ao intenso frio matinal. Enevoavam representando uma clara dúvida, um borrão que aliciava-se a tendência de reprimir o que quer que incomodasse uma pretendida - e ao mesmo tempo utópica - calmaria sentimental.
Olhava os passantes sobre seu copo plástico, já quase vazio, olhava-os desatentamente com a cabeça um pouco baixa. Um olhar mais atento notaria um profundo desalento; porém a rapidez obrigatória imposta pelos andares corridos nunca deixaria espaço para tal parecer. Mordia as bordas do copo sem prestar a mínima atenção nessa ação, e estava longe e cada vez ia mais, até que uma brisa o acordou do devaneio. A distância da reflexão em pouco representava uma percepção, apenas uma visão irreal que lhe trouxe um meio-sorriso.
Estava cansado das percepções, de qualquer forma. Não exatamente delas, afinal, lhe eram um porto seguro e lhe requeriam tempo ao contrário se perderia sem balanço, entretanto aos poucos ia se extenuando de quão fundo ia em suas exageradas conclusões estacionárias.
Afinal, era bom deixar o teor baixar, deixar-se levar e diminuir a exatidão e o cinismo que tomara conta dos cenários.
Seus olhos, além da epiderme melancólica, transmitiam isso, e emitiam em diferentes proporções, em diferentes maneiras - porém eram especialmente fortes nos primeiros momentos da manhã, no primeiro gole de café.

Citação: David Bowie - Oh! You Pretty Things

não consigo achar minha mente

E aquela velha história das escolhas.
Você as faz, pensando nelas ou não. As vezes faz com um bom planejamento, avaliando os lados de cada caminho que pode tomar. Na maioria das vezes, porém, só escorrega em algum lugar e acaba em um mesmo - ainda que resultado de uma série de ações, corrigindo, escolhas de ações.
O que te leva a essas escolhas é produto de outra escolha - uma escolha psicológica, que não pode ser definida em uma ou outra, e sim um estado de espírito que você decide por se aprofundar e tal estado se torna o viés de uma série de medidas que você toma para perpetuação desse contrato mental que você fez com si mesmo.
Ideológico ou não, fiel a si mesmo ou costumeiro traidor, estúpido seguidor ou independente conhecedor, é só um padrão - temos que seguir um, sempre, é o comum. Não tem essa de espontaneidade, no sentido de que sempre seguimos algum instinto que, como animais racionais, não é apenas pueril e "animal" - quase uma infelicidade de se pensar quando todos parecem agir com o lado mais estúpido da mente racional (que é a capacidade de ignorar).
Em qualquer ramo seguido, há constante perigo de evitar o que é atípico ao padrão firmado, quer dizer, não é exatamente um perigo, é uma certeza - se é um padrão, não é mesmo?.. é por ele que seguimos.
O perigo não é nem qual padrão psicológico lhe torna mais agradável/confortável para escolha, e sim de como tal se adapta.
Pode ser muito exclusivo, fechá-lo, matar oportunidades à revelia da acomodação; ou o próprio padrão pode ser de procura, de inconstância.

--

O que poderia eu escrever sobre em tempos de psicologia barata e quando a pretensão é abraçada com força pelos adolescentes irritantes (e intelectualmente tão vazios quanto um jogador de futebol comum) do hoje?

Citação: The Cramps - Can't Find my Mind

running out of air

Aquela situação cansativa, ali, de volta, à espreita.
A voz. Aquela incessante e insolúvel voz que o acompanhava, silenciosamente porém ativamente, de ação em ação, de sentimento em sentimento...
O impedimento. A agonia que faziam possibilidades afundarem e a falta de sentido em toda aquela melancolia, puxada para a superfície pela insuperável voz. A voz que ecoava em meio a um vazio insuportável, em meio a um vácuo que não seria preenchido por um longo tempo - pelo contrário, a existência do vácuo por si só constituía seu velho conhecido circulo vicioso de isolamento.
Tentava, porém, mesmo sem perceber, se impedia de tentar à fundo. Algo lhe avisava um cansaço, algo lhe relembrava um desânimo, algo insistia em lembra-lhe que ele era, afinal de contas, um garoto solitário, e esse pensamento tilintava em sua cabeça com uma força que aumentava pelo minuto.
Tome um ar, ande sozinho, observe as luzes do centro em meio à velocidade amainada do delicioso inverno - pensava tanto nesses agradáveis momentos que começava a ficar difícil acompanhar os outros e suas conversas, pois simplesmente preferia ficar sozinho.
E ficar sozinho, ficar sozinho debitando a culpa que lhe acompanhava - a voz que o lembrava dos erros que repetiu e agora lhe cercavam e retornavam como um assombro que não deveria tomar parte tão cedo...
E como poderia tomar um ar e confortavelmente experimentar a sensação insubstituível de liberdade que acompanha a juventude, sensação que sempre o confortava porém não experimentava do mesmo modo que antes, não com a intensidade de antes - imerso em claustrofobia, não recuperava o ar.
Quem sabe o problema era pensar demais, ir tão ao fundo, tomar os extremos.
Ou então o problema era acreditar tanto na voz... e ela não delimitava um caminho, apenas denunciava falhas e personificava os buracos.
Faltava um levante, um contraponto que exterminasse os frágeis porém inescusáveis argumentos que faziam da voz algo tão intrinsecamente perturbador.
(...)