Um dos sentimentos mais tangíveis que existem é a indignação – ou seja, a revolta contra algo que sua moral, seus ideais ou qualquer outro fator de influência julgam como errado. Leva aos chamados crimes de ódio, assim como a revoluções pró-liberdade ou mesmo à mudanças pessoais drásticas. Me levou, em diversos almoços, à quase quebrar a televisão, e chutá-la imaginando sua estrutura de plástico como sendo a cabeça de algum jornalista estúpido – algum dos diversos que ocupam os informativos do horário do 12h em qualquer emissora aberta, e que brigam para conquistar o primeiro posto no quesito sensacionalismo (i.e. jornalismo de brincadeira, direcionado as massas, que trabalha com choques para entreter). Os estágios de raiva por indignação que quase me levaram a tal ato espontâneo coincidiram com a duração do telejornal, aumentando com cada risada que as irritantes âncoras dividiam, com cada reportagem mostrando mais um corpo encontrado nas margens de um rio da periferia (e olha que não são poucos), em palavra pronunciada no pequeno léxico que parecem formar os jornalistas que trabalham em tais canais, e culminando em alguma matéria absurdamente importante e relevante – adverte-se pesado uso de sarcasmo na sentença – sobre alguma dieta supostamente importada de celebridades norte-americanas.
E o pior: na briga dos sensacionalistas por audiência, quem conseguir melhor alienar o público com seqüências que alternam entre o mortuário do Instituto Médico Legal, algum comentário de um membro da população “revoltado” (e aparentemente todos exibidos nas reportagens apresentam algum quadro de obstrução mental/incapacidade de raciocínio) e finalmente um “tele-alucinógeno” para as donas de casa sonharem com uma vida “de artista”, quem conseguir melhor apresentar esses quadros, ganha a disputa dos índices de audiência. É a mídia da estupidez, e, sem muita surpresa, é a mídia dominante, e digo sem surpresa porque é só observar os níveis de escolaridade ou o numero de leitores e traçar um paralelo.
Enquanto os estúpidos na frente das câmeras fazem a população, indefesa, oca, absorver ainda mais lixo midiático, o que realmente importa fica de lado, quem sabe recebe um espaço de alguns segundos como nada que valha muito a pena – ou angarie muitos espectadores sedentos por sangue e por satisfazer seus mais íntimos desejos sádicos. Um exemplo que deliciosamente evidencia isso é a deflagração das greves na educação que revelam a real falha que é a educação no nosso país. Em casa, pais se retorcem pelo mesmo sentimento que lhes falei no início desse texto – indignação. Seus filhos agora passam os dias inteiros em casa, ao invés de na escola, devido à greve no magistério. Governo, coloque os professores de volta à ativa, ‘meus filhos não tem para onde ir nas manhãs, ficam em casa!’. Governo que esses pais colocaram no poder, por votação democrática, depois de muito pesquisarem e depois de receberem informações por meio de um jornalismo responsável que faz de nosso país... percebem? No fim, tudo acaba influenciando. Estupidez leva à ignorância, que é a estupidez em si. E os pais, reclamando por um lugar para colocar seus filhos, um depósito, de qualquer forma que esse depósito seja, de qualquer grau de produção. Indignação pela qualidade tão ruim que chega a ser (no meu ponto de vista, claro) anos-luz mais chocante do que uma pilha de corpos em uma praça em qualquer periferia. Na interessantíssima matéria sobre tal assunto que apareceu no telejornal, lá estavam os alunos, indo para a escola e encontrando salas sem professores. Os corredores da escola, vazios, sem vida, em tons de azul apagado e formação aparente de rachaduras nas colunas igualmente pintadas de ‘azul-morto’. É para reforçar minha falta de esperança? No telejornal, no segmento que está sendo anunciado, de modo teatral, aparecem um grupo de moradores revoltados querendo asfalto. Ruas, asfaltadas, claro, para passearem com seus carros recém-comprados que lhe deixarão endividados por um período de aproximadamente 80 meses. Ah, espera, é o tal sonho da classe media...
Enfim, meu argumento não é em torno da nossa irresponsável economia domestica, e sim centrado em pura e simples ignorância popular. Eu me sinto aliviado por ter desenvolvido um discernimento ao menos suficiente para escapar da armadilha dessa epidemia (presente em todas as camadas sociais, reafirmo). Esse texto foi feito motivado não só pela absoluta má qualidade do jornalismo das massas do meu estado, mas também por pura admiração pela diversidade que encontramos ao nosso redor – os diferentes rostos, diferentes estilos, opiniões, modos de pensar. E a tristeza que ecoa do sufoco que a ignorância causa, abafando qualquer via de desenvolvimento mental que deveríamos buscar, constantemente, incessantemente.
Citação: título de livro do Charles Dickens, Hard Times.
3 observações:
Infelizmente, como nos primórdios, a política "Pão e Circo" ainda funciona. E é explícita a forma como a RBS contribuí para isso.
People have what they deserve. Assim como a educação e cultura brasileira demonstram-se na mediocridade - informativos, mas não o bastante; educativos, mas não o suficiente; etc. A cultura do "'tá bom, já chega" -, o entretenimento segue a alimentar o ciclo e manter o status quo. Como desde o século XX cada generação que nasce é mais cínica do que a outra, o bom sinal é que há apenas como melhorar:
Para pôr numa analogia familiar, enquanto os pais almoçando na mesa aceitam sem pestanejar o novo filete de informação filtrada oferecido pela televisão (para se encaixar na ideologia de cada emisssora, é claro) e trabalham sua dialética política com a visão distorcida da realidade oferecida, há sempre o filho(a) cínico que duvidará e achará humor no caldeirão midiático nacional.
O cinismo (que não é a indignação diluída: a indignação que é o cinismo ingênuo, de quem ainda não percebeu que toda esperança é rasa) não mudará nada objetivamente, ele trabalha no subjetivo. Ou seja, não melhorará. Mas piorar com certeza não dá.
Depois de demonstrar tal capacidade de reflexão e análise sobre alguns aspectos da mídia atual brasileira, a imprensa sairá perdendo se você não optar pelo jornalismo como carreira. Penso que você tem muitos dos pré-requisitos para se construir uma carreira de sucesso nesse ramo mas, obviamente, a escolha será tua. Gostei do texto!
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