A praça central da cidade era um refúgio visível à correria e ao sufoco dos estreitos e cheios calçadões do bairro, e trabalhadores cansados dividiam espaço com turistas carregando câmeras e idosos jogando baralho ou dominó. Gabriel sentou-se em um dos bancos, esperando pelo horário de suas aulas de francês com insuportáveis alunos de escolas particulares com absolutamente nada à se preocupar, apenas com qual viagem iriam fazer nas férias seguintes, ou qual ração seus cachorros deveriam comer. Gabriel, após mexer desajeitadamente em seu ondulado cabelo castanho, tirou um cigarro e, antes de acender, foi interromido de seus devaneios por um homem, com uma aparência de desequilíbrio mental e com uma bíblia na mão, tentando entregar-lhe um panfleto. Para evitar qualquer prolongamento daquela interrupção, prontamente pegou o papel – que aclamava as vitórias do poder da fé cristã e todo aquele velho discurso que se arrasta desde remotos tempos em diferentes embalagens sociais para que os humanos insistem em chamar de fé, e que no fundo é só a tentativa de sentir que sua vida é permeada por algum sentido ou base que faz dela de tremendo valor. Para Gabriel, era absurdo pensar nisso – a vida por si só, estar aqui, vivendo, rodeado por infinitas possibilidades, aquilo já era o sentido. Querer mais, em sua realista visão, era inerente aos ignorantes, aos pobres de conhecimento. Viver sem qualquer tipo de amarra, independente. Gabriel levava essa filosofia – por si só constituindo uma profunda crença e um traço visível e forte de sua identidade – por meios extremados e isso transparecia em sua falta de paciência com relacionamentos, no medo que nutria em sua vida social. Tinha aversão das pessoas, que crescera durante os ultimos meses de forma assustadora, mas bastante sociável. Mas seu medo também direcionava-se para a solidão – e, mesmo sendo solitário por concepção, estava cansado daquilo ser quase uma regra. De criar justificativas falsas para não se envolver com ninguém. Sentia-se em um pesado purgatório mental, sentia culpa e sentia que nunca tinha tido nada verdadeiro com ninguém - e recorria ao extremismo para justificar isso que não era inteiramente verdade.
Citação: Mudhoney - Living Wreck
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